segunda-feira, outubro 25, 2004

Patenteamento de software I – Retrocesso civilizacional

Penso que é revelador de uma grande pobreza de espírito considerar-se que o software livre é algo imoral ou desprovido de qualquer caracter progressivo como se ouve por aí dizer.

Tentar tornar o software algo como propriedade de conhecimento e de descoberta humana assemelha-se ao patenteamento de genes humanos, que levaram já ao impedimento de certas investigações por parte de muitos laboratórios estatais franceses, por incapacidade de pagar essas patentes que têm obviamente um preço claramente subjectivo, com o único objectivo de obtenção de riqueza através da vontade de progresso das populações que assim se vê travada. Historicamente isto só se compara à idade média em que o conhecimento era algo fruto de génios e de entidades superiores acima de qualquer comum mortal, e que se definiam como técnicas profissionais que só os bons que as descobriam as poderiam utilizar. Era até visto com toda a legitimidade, pois se um médico descobrisse uma forma de tratamento a ele e só ele cabia o direito de a explorar. É obvio, pelo menos para quem tem alguma cabeça, que este tipo de modelo levava a um enorme retrocesso civilizacional, assim, deu-se o primeiro passo através da criação das enciclopédias a primeira tentativa de reunião de um conjunto global de conhecimentos, e da criação da universidade com base nessa globalidade e liberdade de acesso a esses mesmo conhecimentos, graças à aceitação por parte de muitos eruditos de abdicar em nome da partilha desses mesmo conhecimentos. Quanto ao facto de saber se formam obrigados a isso ou se foi mero humanismo por parte dos intervenientes, não sei e penso que não é relevante para esta discussão.

Quanto a comparações de patentes sobre software com outras como sejam peças de automóveis, mecanismos vários, não têm fundamento. Embora eu pessoalmente também não concorde com as patentes de objectos concretos como as peças de um automóvel, estas últimas fazem da força do seu rendimento a produção desses mesmos produtos, existindo assim um custo unitário que teoricamente reflecte um custo de produção dessa mesma unidade, enquanto no caso do software, por estarmos a falar de uma industria completamente diferente, a nível de capital inicial necessário, o pagamento reporta-se a direitos, e não a trabalho real realizado, como seja o caso de uma médico que para mais receber mais consultas tem de realizar. Pode-se dizer, mas na produção de software existe trabalho, esse de alguma forma terá de ser pago. Claro que sim, aliás, não deverá haver nenhum trabalho que não seja justamente pago seja em que área for. Mas isso não nos deve levar a cometer o erro de tornar o conhecimento humano numa mercadoria, ou seja, um professor é pago para dar aulas, não é pago pelos conhecimentos que possui. Se assim fosse, chegaria-mos ao extremo, de termos professores dependentes de empresas com o poder acumulado devido a muitos do conhecimentos sua propriedade, dependência essa que levaria ao pagamento por parte dos professores de licenças de utilização de conhecimento, e de vínculos exclusivos a essas mesmas empresas, fora das quais se viriam literalmente proibidos de leccionar. Corre-se o mesmo risco de chegar-mos a ter programadores que não poderão exercer a sua profissão fora de uma qualquer empresa poderosa, que claramente está interessada em os usar numa óptica meramente lucrativa que nada tem a ver com o progresso humano ou o interesse dos próprios programadores. Ou seja, um programador se quiser prestar os seus serviços a uma empresa privada, deverá ter todo o direito de o fazer, da mesmo forma que aquele que não quiser. Mas se quisermos ir mais longe e argumentar-mos que apenas um destes dois modelos poderá sobreviver, então teremos de escolher aquele que mais progresso representa para as populações e que melhor serve o interesse de todos e não de meia dúzia, pois segundo o modelo democrático o interesse de muitos deve sobrepor-se ao interesse de poucos, salvaguardando obviamente os direitos mínimos de dignidade humana, que não serão obviamente postos em causa no caso do software livre, bem pelo contrário.
Para acabar, quem diz que o software livre não representa progresso, terá claramente de ser apelidado de ignorante, actualmente não se trata de descrença, mas de pura ignorância, estudos feitos sobre a Internet demonstram que a grande maioria de servidores assenta em software livre como seja a base de dados MySQL, a linguagem de programação PHP ou Perl, o servidor Apache entre outros, produtos reveladores do poder da filosofia Open Source. Não me esqueço dos tempos em que estudei no técnico, e lembro-me que não havia ninguém que comprasse os programas que usava, pois se assim fosse ninguém estudaria. O caminho que se tem para escolher é um de dois, prender todos os terroristas e piratas que se formam nas universidades recorrendo ao software pirateado, ou permitir que o software opensource cresça ainda mais e a hipocrisia acabe.

É a todos nós que cabe escolher.

LINKS:
Petição pelo software livre:
http://petition.eurolinux.org/
Áudios e textos de Richard Stallman sobre patentes e as suas implicações.
http://www.cl.cam.ac.uk/%7Emgk25/stallman-patents.html



METROPOLIS
Posted by Hello

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